O PÁSSARO DEGÃO
Neste
instante remonto à minha infância,
Nas ruas
serpenteadas e enevoadas do Tijuco,
Num tempo –
e que tempo! – que o mês de Julho
Era sim –
sem dúvida – o mais frio em São João d’El-Rey...
Bem
cedinho, no limiar gélido
Da alvorada
orvalhada,
Degão se
preparava para voar...
Saía a farfalhar
suas asas
Nas brumas
densas que a madrugada apresentava...
Eu, ainda tão
moleque – menino de suspensório e chinelo de tiras,
Desafiava
o meu sono
E
caminhava até a porta de nossa morada...
Ao longe,
meu pássaro Degão, eu ia acompanhando
Esticava
minha visão para além dos limites possíveis
Mas a cada
farfalhar de suas asas ia ficando mais difícil evidenciá-lo
Em meio
àquela neblina que já o absorvia...
Todas as
madrugadas eram assim...
Tristes no
começo, mas felizes quando o ocaso surgia
Porque junto
dele Degão a casa retornava...
Um dia,
porém, numa madrugada
Diferente de
todas as demais
Ele alçou
um voo inigualável
E não foi
pelas brumas densas e geladas do Tijuco...
Eu não o
vi voando naquela alvorada... não, não!...
Meus olhos
não captaram mais a sua imagem,
Mas
naquele dia eu percebi que
Não são
apenas os olhos do corpo que podem enxergar,
Meu corpo
pôde sentir o que os meus olhos jamais captaram...
Eu o senti
alçando o voo mais ousado,
Aquele a que
todos os homens, ainda, temem.
A
atmosfera não era mais a do Tijuco,
Os céus
não pertenciam a São João d’El-Rey...
Não sei
exatamente onde fica o que senti,
Sim!,
porque eu senti muito mais do que vi...
E não era
deste mundo...
Só sei que
não havia mais brumas e nem neblina...
A estrada
era sedosa e sutil
E na nova morada
que Degão aportou
Não havia
portas, nem janelas, nem paredes...
Você – meu
pássaro Degão – era agora LIVRE...
FERNANBAS
Baseado na obra
“A menina e o Pássaro Encantado",
De Rubem Alves.